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segunda-feira, 10 de março de 2008

Cidadão fica esperto

Ilegalidade do "corte" no fornecimento de serviços públicos essenciais como forma de coagir o consumidor ao pagamento


No dia a dia da advocacia, esse sacrossanto ofício de representar e defender interesses alheios, não é raro o profissional do direito, notadamente o Advogado, se deparar com consumidores indignados que tiveram o fornecimento de serviços suspensos, ou “cortados”, como popularmente dito, sob a alegação de falta ou atraso no pagamento.

Mas, segundo nossa ordem jurídica, tal atitude é legal? Pode o Poder Público ou uma empresa prestadora de serviço público simplesmente suspender, interromper a prestação de serviço considerado essencial, alegando falta de pagamento?

Tais questões devem ser respondidas à luz do ordenamento jurídico brasileiro, iniciando-se pela Constituição Federal, chegando-se finalmente ao que preceitua a Lei nº 8.078 de 11 de setembro de 1990, mais conhecida como Código de Defesa do Consumidor.

Os serviços que mais ensejam os questionamentos acima, são os de fornecimento de água e energia elétrica, notadamente entre as camadas menos privilegiadas da população, que mais sofrem com a interrupção do fornecimento de tais serviços.

A Constituição Federal de 1988, logo em seu artigo 1º, preceitua que a República Federativa do Brasil constitui-se em Estado Democrático de Direito, e, em seus incisos, notadamente o de número três, consagra a dignidade da pessoa humana, como um dos princípios fundamentais de nosso Estado. Isso quer dizer que a pessoa humana, sujeito de direito e obrigações na órbita jurídica, encontra-se em primeiro lugar na hierarquia de valores, antes mesmo do Estado e sua organização.

A mesma Constituição, agora em seu artigo 5º, caput, revela quais são os direitos e garantias fundamentais de todos nós, cidadãos, iguais perante e lei.

Entre os princípios constitucionais destacam-se, entre outros, os contidos nos incisos XXXII – defesa do consumidor, que deverá ser realizada pelo Estado; XXXV – inafastabilidade do Poder Judiciário; LV – contraditório e ampla defesa.

Mais adiante, o artigo 170, inciso V, da Constituição prevê a defesa do consumidor como um dos princípios fundamentais da ordem econômica.

No âmbito infraconstitucional, encontramos o Código de Defesa do Consumidor, que procura defender os interesses dos consumidores, aplicando sanções de ordem civil, administrativa e penal aos violadores de suas normas.

De acordo com o Código de Defesa do Consumidor, mais precisamente em seu artigo 22, os serviços essenciais devem ser contínuos, ou seja, sem interrupções na sua prestação. Mais adiante, agora em seu artigo 42, proíbe a cobrança ao consumidor com a utilização de ameaça, constrangimento ou exposição ao ridículo, podendo até mesmo incorrer em processo crime quem, nos termos do artigo 72 utilizar na cobrança de dívida “ameaça, coação, constrangimento físico ou moral, afirmações falsas, incorretas ou enganosas ou de qualquer outro procedimento que exponha o consumidor, injustificada-mente, a ridículo ou interfira com seu trabalho, descanso ou lazer”, podendo ser punido com pena de 03 (três) meses a 01 (um) ano de detenção e multa.

Como podemos observar, a legislação brasileira proíbe qualquer tipo de ameaça, coação ou constrangimento na cobrança de dívidas, sendo arbitrária e ilegal a atitude de simplesmente privar o consumidor da fruição de serviços que, por força de Lei são considerados essenciais e devem ser prestados continuamente.

É Justamente o que ocorre quando uma pessoa se vê, simplesmente, sem o fornecimento de energia elétrica ou água por alegação de falta de pagamento. A prestadora do serviço, ente público ou não, em caso de inadimplência do consumidor possui meio legal para cobrança de tal dívida, que deverá ser feita impreterivelmente junto ao Poder Judiciário, órgão destinado constitucionalmente a dizer o direito das partes, incumbindo-se da pacificação social. Assim, deve manejar a competente ação de cobrança, execução, execução fiscal, entre outras, para receber o que tenha direito. Tal entendimento leva em consideração o princípio acima citado da inafastabilidade do Poder Judiciário. Caso contrário é fazer “justiça” com as próprias mãos, o que é expressamente vedado por nosso ordenamento jurídico, salvo raras exceções expressamente previstas em Lei.

Com a suspensão sumária e unilateral do fornecimento do serviço público essencial viola-se outro princípio constitucional, o do contraditório e da ampla defesa, pois o consumidor é sumariamente privado da utilização do serviço sem ao menos expor suas razões ou motivos, o que não acontece no processo judicial, onde todas as oportunidades e todos os meios de defesa lhe são conferidos, podendo contestar valores, cálculos, recorrer de decisões que não concorde, etc.

Não só a legislação, mas também a jurisprudência de nossos Tribunais tem sido sensível aos reclamos sociais, reconhecendo a ilegalidade, a arbitrariedade dos denominados “cortes por falta de pagamento”, onde direitos garantidos constitucionalmente são simplesmente ignorados, ora pelos próprios órgãos da Administração Pública, que muitas vezes se esquecem de outros princípios constitucionais a que estão adstritos, quais sejam, aqueles insertos no artigo 37, caput, da Constituição Federal, legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, ora por empresas prestadoras de tais serviços públicos, não menos arbitrárias em suas ações.

Se existe o caminho certo, correto, legal para cobrança de dívidas, não podemos admitir que outros caminhos sejam utilizados, pois o meio, neste caso, não justifica os fins, sendo estes contrários ao Direito, ao Justo, e finalmente, à Justiça.

A ilegalidade do “corte” salta aos nossos olhos. É tempo de conhecer, e principalmente defender nossos direitos, muitas vezes garantidos constitucionalmente. Cada cidadão deve se valer de seu direito de ação, se insurgindo contra medidas ilegais, injustas e acima de tudo imorais, para quem sabe, conseguirmos atingir a tão esperada sociedade justa, fraterna e pluralista, atendendo, nesse ponto, à vontade do legislador constituinte de 1988.

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